Meta, câmbio e o pacto Nvidia
Brasil entra em agosto sob um triplo choque de realidade. A meta fiscal, tratada pelo governo como bússola, virou motivo de sarcasmo entre agentes de mercado; o câmbio recua em ritmo acelerado, aliviando parte das pressões financeiras; e, nos EUA, um acordo inédito entre a Casa Branca e a Nvidia reabre o canal de vendas de chips de IA para a China em troca de receita para o governo — uma engenharia regulatória que intriga juristas e investidores.
Meta fiscal: alvo fixo, credibilidade móvel
Depois de um 2024 “no limite”, o governo reafirmou para 2025 a meta de déficit primário zero com faixa de tolerância, e projetou superávit de 0,25% do PIB para 2026. No discurso oficial, trata-se de um compromisso inegociável. Na prática, porém, a confiança foi sendo corroída pela dependência de receitas extraordinárias, renúncias reformatadas e manobras de apuração. Daí a ironia que pegou nas mesas de operação — “a meta virou piada” — não porque o número seja impossível, mas porque o caminho para alcançá-lo ainda parece frágil: base tributária concentrada, gasto obrigatório rígido e baixa previsibilidade legislativa. Enquanto isso, o setor privado reprecifica risco: crédito mais seletivo, prazos mais curtos e prêmios mais altos para papéis longos.
Câmbio em queda: trégua que melhora o humor
O dólar caiu para a casa de R$ 5,38 em meados de agosto, o menor nível em mais de um ano, ajudado por fatores externos (apetite a risco global e expectativa de alívio monetário nas economias centrais) e internos (balança comercial robusta e percepção — ainda que contestada — de disciplina fiscal mínima). A bolsa reagiu, e o custo de hedge cambial cedeu. Para empresas importadoras, o alívio é imediato; para exportadores, exige ajuste fino de preços e proteção de margens. A volatilidade, contudo, segue elevada: qualquer ruído fiscal, surpresa inflacionária ou mudança no cenário de juros lá fora pode devolver prêmio ao dólar rapidamente.
O acordo “esquisito” com a Nvidia: precedente ou gambiarra?
Em Washington, a administração Trump negociou com Nvidia e AMD um arranjo de “liberar com contrapartida”: licenças para vender versões rebaixadas de chips de IA à China, mediante a transferência de 15% da receita dessas vendas ao Tesouro americano. O pacote inclui modelos como o H20 (Nvidia) e o MI308 (AMD) e acena, no limite, para versões modificadas de futuras gerações. É um desenho sem paralelo recente: contorna o dilema segurança-nacional versus mercado ao criar um “pedágio regulatório” — e levanta dúvidas constitucionais e legais. Também abre margem para retaliações ou substituição tecnológica acelerada do lado chinês. Para o investidor, a mensagem é dupla: o ciclo de IA continua monumental, mas a geopolítica segue no volante.
Impactos cruzados para Brasil e mercados
- Cenário fiscal — O humor melhorou com o câmbio, mas a precificação de risco soberano continuará sensível a cada relatório de arrecadação, corte de gasto obrigatório e evolução da pauta no Congresso.
- Ativos locais — Juros longos podem ganhar fôlego se o dólar permanecer comportado, mas exigem prova trimestral de meta fiscal crível.
- Tecnologia & semicondutores — A reabertura parcial de exportações para a China sustenta receitas de líderes de IA, porém sob incerteza jurídica e de compliance.
- Commodities — Real mais forte altera termos de troca e lucros setoriais; hedge e governança de capital de giro tornam-se centrais.
- Fluxos globais — Qualquer inflexão na política americana para chips (ou reação chinesa) pode reprecificar ciclos de CAPEX de nuvem, data centers e, por tabela, cadeias brasileiras expostas a tecnologia.
Como se posicionar (sem ilusões)
- Tese fiscal: privilegie crédito corporativo de emissores com geração de caixa resiliente e baixa dependência do ciclo fiscal; evite duration longa soberana sem proteção.
- Câmbio: use recuos do dólar para reequilibrar proteção em empresas importadoras; exportadores devem manter políticas de hedge dinâmicas.
- Tech global: a tese de IA segue válida, mas o risco regulatório virou variável de primeira ordem — diversificação entre segmentos (chips, infraestrutura, software de camada) reduz surpresas.
- Portfólios locais: combine bolsa defensiva (utilities, energia) com selecionados plays de valor cíclico; mantenha caixa tático para aproveitar overshoots.
- Governança: para quem depende de dólar (insumos, dívida), formalize gatilhos de hedge e cenários; improviso custa caro quando a maré vira.